Tudo começou com ela, a carne. E foi há muitos séculos. Evidências arqueológicas indicam que há mais de dois milhões de anos produtos de origem animal eram significativos componentes da dieta humana. Há 50.000 anos, com o aparecimento do homem moderno, houve um aumento da caça e o consumo de produtos de origem animal explodiu, chagando a representar 80% da energia da dieta. Apesar desse grande consumo de carnes, a dieta da época não apresentava elevados teores de gordura e isso por dois motivos básicos: as carcaças dos animais selvagens eram mais magras do que as dos atuais animais de abate e grande parte da energia adquirida era consumida pelas duras atividades de sobrevivência, integralmente realizadas pelo trabalho braçal.
Com o advento da agricultura, coisa de 10.000 anos, houve uma importante redução no consumo de produtos de origem animal. Sua participação na alimentação humana caiu para 50%, com a dieta sendo completada por vegetais, tubérculos, nozes, frutas, grãos e sementes. Mas mesmo assim, nos séculos subseqüentes, a produção e o consumo de carne animal sempre se mantiveram em níveis altos no dia-a-dia da dieta humana.
Hoje, a criação de bovinos, suínos e ovinos segue parâmetros cada dia mais voltados para a exploração comercial da carne. Modernas práticas de manejo e o desenvolvimento da genética têm contribuído para o atendimento de um mercado de alimentos cada vez mais carente, com exigências que crescem na razão direta do aumento da população mundial. Todos esses avanços da técnica na criação dos animais de abate têm, contudo, aumentado o índice de gordura das carnes, hoje, significativamente maior do que no passado.
Ao excesso de gordura de cobertura em bovinos, suínos e ovinos, soma-se outro fator não menos preocupante. É que nos tais excessos existem altas proporções de gordura saturada, aquela que quase sempre se encontra em estado sólido e que, geralmente, contribui para o aumento de colesterol no sangue. E, claro, além de presente nas carnes, ela se encontra também no leite e seus derivados e em alguns poucos alimentos de origem vegetal. As chamadas insaturadas, ao contrário, são consideradas do bem, pois além de não prejudicar as artérias, ajudam a tirar de circulação o colesterol ruim. Encontradas nos vegetais, podem representar mais de 20% das gorduras consumidas. Óleo de soja, milho e canola, castanha do Pará, azeite de oliva, azeitona, nozes, amêndoa e castanha de caju são exemplos de fontes de gorduras insaturadas.
E como gordura pode ser caso sério, seríssimo até, todo o mundo se ocupa e se preocupa com ela em suas mais variadas formas e funções. A Organização Mundial da Saúde (OMS), por exemplo, aconselha a redução da ingestão diária de gorduras ao nível de 30% da energia, alertando ainda para o fato de que apenas um terço desse total seja de gordura saturada. Ou seja, se uma pessoa necessita de 2.000Kcal/dia, o consumo de gordura total deve se limitar a 600 Kcal (67 gramas) e, desse total, apenas 200 Kcal (22 gramas) devem ser de gordura saturada.
Como o progresso não se faz sem conseqüências, expandiu-se na própria estrutura de desenvolvimento da indústria alimentícia, o uso de uma gordura, digamos, pouco amiga da saúde: a trans. Ela nada mais é do que a conhecida gordura vegetal hidrogenada, estruturalmente modificada pela ação de vários processos químicos. Utilizada pela indústria para melhorar a consistência e o sabor dos alimentos, a trans consumida em excesso causa um aumento do LDL, conhecido como colesterol ruim. Além disso, diminui em cerca de 20% o HDL, o colesterol bom. Por isso, todo cuidado é pouco quando o assunto é trans. Sorvetes, bolos, batatas fritas e bolachas recheadas são alguns dos alimentos que podem conter grandes quantidades dessa gordura. Por isso, fique atento aos rótulos das embalagens, que contêm informações nutricionais obrigatórias, e prefira os alimentos sem gorduras trans. Mas cuidado: ela pode ter sido substituída por gordura saturada.
Não precisa ser radical a respeito do consumo de gorduras. Evitá-las ou condená-las, a priori, não é boa política. As insaturadas (mono e poli) são exemplos disso. Elas contribuem para a redução do colesterol ruim no sangue (o LDL), sem diminuir o HDL, o chamado colesterol bom. As monoinsaturadas estão presentes no abacate, no amendoim, no azeite de oliva, em alguns tipos de nozes e na canola. As poliinsaturadas são encontradas principalmente nos óleos de soja, milho e girassol e em peixes de água fria como salmão, sardinha, truta e bacalhau. São gorduras do bem, sim, mas desde que consumidas moderadamente.
Outros exemplos concretos de gorduras do bem são as Ômegas 3 e 6. Poliinsaturadas não produzidas pelo organismo, elas são importantes no dia-a-dia da alimentação e são chamadas de ácidos graxos essenciais. O Ômega 3 (ácido linolênico) reduz os níveis de gordura (triglicérides) que circulam no sangue e, importante, dificulta a formação de coágulos nas artérias. Além disso, é um importante mediador de alergias e processos inflamatórios. Os chamados peixes de água fria como salmão, sardinha, truta e bacalhau e, também, nozes, óleos vegetais e rúcula, todos, são ricos em Ômega 3. Já o Õmega 6 (ácido linoléico) diminui o colesterol total e geralmente é encontrado nos óleos de soja, milho e girassol.
Em recente passagem pelo Brasil, o doutor Mehmet Oz, um dos grandes especialistas do mundo em alimentação, falou sobre as várias alternativas que existem para se levar uma vida saudável hoje. Entre outras coisas, ele elogiou o cardápio básico do brasileiro (arroz, feijão, salada e carne), qualificando-o como “saudável” porque contém os ingredientes para os quais a digestão humana está preparada. Mas alertou para o fato de que os brasileiros comem carnes muito gordas e isto está longe de ser saudável. O Dr. Oz disse ainda que um bom cardápio é aquele que elimina por completo os cinco ingredientes mais perniciosos à saúde: gorduras saturadas, gorduras trans, açúcar simples, açúcar invertido e farinha de trigo enriquecida. É a chamada regra dos cinco. A dica é boa. Conheça algumas trocas de alimentos que você pode fazer para ter uma alimentação mais saudável. E lembre-se sempre: com equilíbrio, todos os alimentos podem ser consumidos sem causar prejuízos ao organismo. O importante é respeitar as 4 leis da alimentação: quantidade (suficiente), qualidade (composição do alimento), harmonia (proporcionalidade) e adequação (perfil do indivíduo: adulto, criança ou jovem).
Desde julho de 2006, por determinação das autoridades sanitárias, nenhum produto alimentício no Brasil pode conter mais de 0,2 gramas de gorduras trans por porção. Com isso, a indústria teve que buscar uma outra solução para prolongar a validade, dar consistência e conservar o sabor de alimentos como sorvetes, bolos, biscoitos recheados e coisas do gênero. Essa solução é o óleo de palma. Com isso, a gordura trans saiu de cena, mas os mesmos alimentos passaram a apresentar uma concentração ainda maior de gordura saturada, que é menos pior que a trans, mas ainda assim outra conhecida inimiga da saúde. O motivo? O óleo de palma, de origem vegetal, contém ácido palmítico que é muito rico em gorduras saturadas. Mas a história não pára por aí. As indústrias, ao informarem nas embalagens sobre a ausência da gordura trans nas guloseimas (marketing do trans zero), fizeram com que os consumidores se sentissem mais à vontade para consumir e, claro, o consumo aumentou. Pressionada, a indústria alimentícia busca agora, a toque de caixa, novas e melhores alternativas à trans e ao óleo de palma.